É muito mais que isso...


Pois namorar não é só juntar duas atrações 
no velho estilo ou no moderno estilo, 
com arrepios, murmúrios, silêncios, 
caminhadas, jantares, gravações, 
fins-de-semana, o carro à toda ou a 80, 
lancha, piscina, dia dos namorados, 
foto colorida, filme adoidado,
rápido motel onde os espelhos 
não guardam beijo e alma de ninguém.

Namorar é o sentido absoluto 
que se esconde no gesto muito simples, 
não intencional, nunca previsto, 
e dá ao gesto a cor do amanhecer, 
para ficar durando, perdurando, 
som de cristal na concha 
ou no infinito.

Namorar é além do beijo e da sintaxe, 
não depende de estado ou condição. 
Ser duplicado, ser complexo, 
que em si mesmo se mira e se desdobra, 
o namorado, a namorada 
não são aquelas mesmas criaturas 
que cruzamos na rua. 
São outras, são estrelas remotíssimas, 
fora de qualquer sistema ou situação. 
A limitação terrestre, que os persegue, 
tenta cobrar (inveja) 
o terrível imposto de passagem: 
"Depressa! Corre! Vai acabar! Vai fenecer! 
Vai corromper-se tudo em flor esmigalhada 
na sola dos sapatos..." 
Ou senão: 
"Desiste! Foge! Esquece!" 
E os fracos esquecem. Os tímidos desistem. 
Fogem os covardes. 
Que importa? A cada hora nascem 
outros namorados para a novidade 
da antiga experiência. 
E inauguram cada manhã 
(namoramor
o velho, velho mundo renovado. 


[Carlos Drummond de Andrade]

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